7.26.2010

Precisa de título?


e se a morte inicia no nascimento,

é que a vida se desfaz a cada dia

devir de tempo e movimento

sem mais nada por dizer

apenas o que somos sem querer

o que fomos sem saber,

o que não teremos por não ser...

como estrelas que brilham mortas

no tempo passado da imagem

de palavras que nada dizem

aos dias que passam à porta

consumir, consumar, desgastar-se

suprimir, sujeitar, sujeitar-se

é vida que nesce morta

é morte que nasce viva

abismar-se no instante certo

é estar certo no tempo errado...


(Escrito por Rai Castro, a quem tenho orgulho chamar de amigo)

5.27.2010

Portão nº 5


Dona Eulália nunca tinha visto um avião de perto. De repente, estava em um aeroporto, observando embarques e desembarques. Vinha do Rio de Janeiro, para onde havia seguido de ônibus, enfrentando longas estradas. Seu destino: São Luís. Uma conexão a trouxera a Belém. Foi onde a conheci.

Ela estava sentada, solitária, em uma enorme sala de embarque, diante do portão 5. Eu ia ao banheiro, quando percebi seus olhos, aparentemente, aflitos em minha direção. Fiquei em dúvida se realmente precisava de algo. Ela não me chamou e eu segui meu caminho.

Mas aqueles olhos me seguiram e não pude ficar alheia. Ao sair do banheiro fui conversar com a senhorinha. Foi quando descobri seu destino - minha amada terra natal.

Dona Eulália estava preocupada porque, há poucos minutos, as pessoas que lotavam aquela mesma sala haviam embarcado. Ao ver, porém, seu bilhete descobri que dona Eulália estava deveras adiantada - exatamente duas horas.

Tirando um pedaço de papel do bolso, ela me pediu para telefonar para um celular ali anotado. Era o telefone de sua filha, a quem deixara na cidade maravilhosa.

_ Pode ligar a cobrar, ela disse.

Disquei o número e lhe passei o fone.

Após uma breve conversa, dona Eulália desligou e sentou-se ao meu lado. Agradeceu-me com toda gratidão de pessoa humilde que era:

_ Deus te proteja, te dê saúde e te ajude no seu trabalho!

Perguntou se eu era "aeromoça" e resmungou algumas coisas sobre a companhia pela qual viajava.

Conversamos por mais algum tempo. Me falou onde morava em São Luís e disse que seu filho ou sua neta a receberiam no aeroporto da Ilha do Amor.

Expliquei a ela sobre seu horário de embarque, caso quisesse passear pelo terminal.

_ Não, minha filha. O "aeromoço" disse para eu aguardar aqui e não sair de jeito nenhum.

Estava preocupada também com sua condição de idosa:

_ Tem muita gente que se aproveita de nós, aposentados.

Não queria deixá-la ali, sozinha, mas precisava voltar ao trabalho. Passei-lhe mais algumas informações, caso precisasse usar o banheiro, sentisse fome ou sede, e me despedi.

Com o coração apertado lembrei-me de minha querida avó, que há um mês ficara viúva e a quem não pude consolar com um abraço. Senti certa inveja da senhora que iria voltar para o seio de sua família, para o seu lar.

Após cruzar o portão número 5, dona Eulália me deixaria para trás e eu amargaria a solidão, não de uma sala de embarque, mas de toda uma cidade ainda estranha.

4.11.2010

Bye, bye, São Luís...



Sempre pensei em como seria o dia em que sairia de casa. Achava que seria após o casamento, mas foi outro tipo de compromisso que me tirou do lar: o trabalho. E não foi só de casa que saí... Foi do Estado.
Em comitiva, família, amigos e o noivo me acompanharam até o aeroporto. Foi um trajeto difícil. Aquelas ruas tão familiares me levavam agora a um mundo de incertezas, de mãos dadas comigo, assim como as pessoas queridas à minha volta.
Ver aqueles que sempre lutaram por mim e comigo com os olhos vermelhos e marejados, me fragilizou deveras. Queria dizer: "tudo bem, a gente se prepara a vida inteira para esse momento natural". Mas eu não estava preparada.
E como uma criança perdida em praia num dia de domingo, eu chorei desesperadamente.
Mais tarde, sozinha, ao voar sobre a noite de minha velha e boa cidade, constatei a beleza daquele mapa luminoso e parti rumo ao desconhecido. Sou uma folha em branco novamente.